A fonoaudiologia é a ciência que se preocupa com a comunicação humana e todos os fatores que a influenciam direta ou indiretamente. Dentre estes fatores, podemos destacar as funções orais como a respiração, deglutição, fala e mastigação. As funções orais se interligam e precisamos sempre estar atentos ás alterações e disfunções que podem impactar de forma prejudicial a comunicação e, neste sentido, a fala também pode ser afetada. Nesse sentido, é essencial diagnosticar e reabilitar essas funções quando necessário e, o profissional apto para esta demanda é o fonoaudiólogo.
A mastigação ultrapassa o ato de morder e triturar o alimento que será digerido pela via oral, pois envolve estruturas neuromusculares, digestivas, metabólicas e neurológicas:
A mastigação é o ato de morder e triturar o alimento, a qual constitui um ato fisiológico e complexo, que envolve atividades neuromusculares e digestivas. (...) O sistema mastigatório pode ser considerado como uma unidade funcional constituída pelos seguintes componentes: dentição, estruturas periodontais de suporte maxilar e mandibular, articulação temporomandibular, musculatura mastigatória e de lábios, bochechas e língua, tecidos moles que revestem essas estruturas, assim como a inervação e vascularização que suprem esses componentes. É uma função aprendida que depende de vias neurais e conexões sinápticas estabelecidas e comandadas pelo córtex cerebral (WHITAKER, 2009).
Vale salientar que a via oral não é a única via de alimentação possível, pois em alguns quadros de saúde o indivíduo pode não beneficiar-se de forma segura da nutrição e alimentação por via oral, sendo necessária a intervenção e adequação pelos profissionais de saúde capacitados para tal. Mas aqui, vamos focar na influência dessa função para a comunicação e mais especificamente a fala. Dessa forma, a mastigação, assim como outras funções orais influencia na fala pois o sistema estomatognático está interligado e além disso, a mastigação age diretamente na mobilidade e tonicidade das estruturas que estão relacionadas a fala.
Sem termos técnicos, analisando de forma mais didática, a fala ocorre adequadamente de modo a ser facilmente compreendida pelo funcionamento e relação em condições ideais entre músculos (língua, lábios, bochecha, palato entre outros), neurônios (sinapses) e funções (respiração, mastigação, deglutição...). A mastigação, isoladamente, é uma função que vai auxiliar no desenvolvimento da mobilidade e tonicidade da língua, lábios, bochechas e demais músculos da face que estão envolvidos simultaneamente nas duas funções (mastigação e fala).
A avaliação e a intervenção da fonoaudiologia em disfunções mastigatórias ocorre de forma interdisciplinar. O Conselho Federal de Fonoaudiologia resolve que:
No Brasil, os fonoaudiólogos começaram sua atuação na área alimentar atendendo crianças e adultos com desafios para sugar e deglutir. O foco esteve quase sempre no tratamento/gerenciamento das disfagias orofaríngeas (neurogênica, mecânica ou psicogênica), com uso de técnicas e manobras voltadas à transição da via alternativa de alimentação para a via oral, quando possível, bem como a adequação das disfunções envolvidas na alimentação (sucção, respiração, deglutição e mastigação).(CONSELHO FEDERAL DE FONOAUDIOLOGIA, RESOLUÇÃO CFFa Nº 659, DE 30 DE MARÇO DE 2022).
WHITAKER (2009) complementa que “Existem vários fatores que influenciam a função mastigatória de forma a alterá-la. Esses fatores podem envolver alterações estruturais ou funcionais do sistema estomatognático, que desencadeiam um desequilíbrio, do qual um dos sinais pode ser a disfunção mastigatória. (...) Desta forma, o diagnóstico das alterações mastigatórias, e das estruturas que a envolvem, torna-se preciso e o tratamento direcionado para cada caso”. A atuação fonoaudiológica nessa área necessita, além de ambiente ambulatorial especifico, formação profissional especifica também. Na Resolução CFFa n° 659/2022 fica claro que: “No que se refere às disfunções de mastigação e deglutição, o especialista em Motricidade Orofacial tem atuação em casos nos quais existem fatores causais estruturais e/ou funcionais (como alterações dento-oclusais, alterações do frênulo lingual, quadros de respiração oral, além de prejuízos em aspectos musculares ou sensoriais).”
Considerando então a especificidade dessa área e a sua importância para o desenvolvimento da fala, afinal, como as famílias podem auxiliar nesse processo em casa?
Entendendo que a mastigação de forma adequada é essencial para a manutenção e desenvolvimento dos órgãos relacionados à fala, precisamos garantir que ela ocorra da melhor maneira possível. O mecanismo fisiológico da mastigação inclui: mastigação bilateral, mastigação de diferentes texturas e consistências, mastigação completa antes da deglutição. Portanto, vale observar e incentivar a mastigação bilateral e de diferentes texturas e consistências em casa.
Como fazer isso? Citarei duas estratégias simples que podem ser adotadas no dia a dia:
1. Conte a quantidade de mastigações de cada lado (direita e esquerda), sugira e faça junto com a criança/adolescente a mastigação lateralizando com a mesma quantidade de cada lado;
2. Diversifique as texturas/consistências dos alimentos ofertados para a criança/adolescente;
3. Transforme o momento da alimentação em um momento de atenção exclusiva para o alimento. Retire distratores como TV, Celular e demais itens desse momento.
Por fim, observe e anote as alterações durante esse processo e busque ajuda profissional quando observar que seu filho/filha apresenta dificuldades nesse processo mesmo seguindo as instruções básicas acima!
Bárbara Reis do Nascimento
Mestre, Fonoaudióloga e Especialista em Linguagem e Saúde Coletiva.
Coordenação Fonoaudiólogica – Protea Neurodesenvolvimento
Referências:
Cavalcante, F. T., Moura, C., Perazzo, P. A. T., Cavalcante, F. T., & Cavalcante, M. T.. (2019). Prevalência de dificuldade na mastigação e fatores associados em adultos. Ciência & Saúde Coletiva, 24(3), 1101–1110. https://doi.org/10.1590/1413-81232018243.10122017
CONSELHO FEDERAL DE FONOAUDIOLOGIA, RESOLUÇÃO CFFa Nº 659, DE 30 DE MARÇO DE 2022. “Dispõe sobre as Diretrizes sobre a Atuação Fonoaudiológica nos Distúrbios Alimentares Pediátricos e dá outras providências.”. 2022
Pereira AS de M, Gatti M, Ribeiro VV, Taveira KVM, Berretin-Felix G. Intervenções da Fonoaudiologia nas áreas de respiração, mastigação, deglutição e fala: uma revisão de escopo. CoDAS [Internet]. 2024;36(2):e20220339. Available from: https://doi.org/10.1590/2317-1782/20232022339pt
Whitaker, M. E., Trindade Júnior, A. S., & Genaro, K. F.. (2009). Proposta de protocolo de avaliação clínica da função mastigatória. Revista CEFAC, 11, 311–323. https://doi.org/10.1590/S1516-18462009005000030
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